segunda-feira, 2 de maio de 2011

A paz que eu sinto com você é incomparável.

Delilah

Delilah não era uma pessoa com aparência feliz. Seu cabelo ruivo, sempre bagunçado sobre o rosto, nos seus olhos esverdeados parecia sempre haver aquele brilho de lacrimejo constante, suas olheiras denunciavam as noites que passava acordada e sua pele clara afastavam as pessoas, impedindo-as de estabelecerem qualquer relacionamento com Delilah.
Passava todos os períodos sentada no canto da sala de aula escrevendo, desenhando, ou rabiscando no seu cadernos de capa triste. Acredito que não mostrava os seus textos para ninguém, chegava até a demonstrar raiva quando tentavam olhar algo enquanto ela não prestava atenção. Todas as vezes em que eu a vi, ela estava com aquele caderno - que mais parecia um diário, segurando-o com força e com ambas as mãos, como se alguém pudesse, e até mesmo quisesse roubá-lo.
 Ela era alvo de piadas e brincadeirinhas de mau gosto da escola. As loiras sempre a chamavam por "esquisitinha" ou "fantasminha". Na própria sala recebia bolinhas de papel e alguns olhares, seguidos de sussurros e risadas. Mas ela parecia não se importar com nenhuma dessas coisas, toda a sua atenção parecia estar sempre naquele diário.
 Num dia qualquer, não me lembro ao certo, eu estava caminhando pelo pátio e tropecei em algo. Acabei caindo na frente das minhas amigas, que seguiram com as gargalhadas, e eu ali, de corpo curvado com o olhar no chão e envergonhada. Uma mão magra e branca se estendeu na minha frente, sem pensar duas vezes a segurei e me levantei. Olhei, e mal pude acreditar que era ela: Delilah. E continuou, limpou o meu braço que estava sujo e me perguntou com um tom de voz baixo e inseguro: Você está bem?
Eu fiquei olhando pra ela, em todos os detalhes, e ela era linda. Mas antes que eu respondesse uma das loiras me puxou pra ver um garoto recem chegado na escola. Pouco me importava o garoto. Mas aí o tempo passou e depois disso eu não tive mais coragem pra falar com Delilah, logo esqueci o que havia acontecido.
Após uns meses, comecei a ir com menos frequência à escola, chegando a faltar duas semanas. E quando fui, vi Delilah sentada na escada chorando. Ela chorava como se tivesse perdido a própria alma. Eu cheguei mais perto e ela olhou pra mim, com os olhos borrados e as bochechas cobertas por lágrimas. Eu comecei a caminhar até ela, não podia deixá-la assim, mas uma das loiras novamente começou a gritar da porta, me dizendo para entrar na sala. E eu idiota, fui. Rejeitei de novo Delilah. Naquele dia, ela não entrou na sala. E as outras me falaram que tinham roubado o diário de Delilah e jogado em um lixo qualquer. E elas riam cada vez mais alto a cada vez que pensavam que a fizeram chorar. E eu senti ódio de todas elas, cheguei a sair da sala pra procurar Delilah, mas ela já tinha saído da escada, e ali só ficou o chão úmido pelas lágrimas.
.No dia seguinte ela não foi à escola, então procurei seu endereço e fui até a casa dela. Era num bairro tranquilo. Toquei a campainha e uma garota de cabelo loiro, alinhados e arrumados, olhos esverdeados que também brilhavam, mas de forma arrogante, as marcas de seu rosto ainda eram possíveis de ser vistas, mas eram bem disfarçadas pela luz do sol e a maquiagem. Essa mesma menina me olhou, e com um tom de voz superior perguntou-me o que queria.
Respondi que nada, virei as costas e fui embora. Delilah havia se matado, e eu fiz parte disso. A mataram quando retiraram seu único amigo, o diário. E eu que poderia salvá-la, a rejeitei duas vezes.